quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

É POSSÍVEL

É POSSÍVEL!!!!!


Neste mundo de incertezas vi que havia necessidade de um constante diálogo comigo mesmo, no sentido de viver em paz, viver feliz. Aprendi a fazer algumas perguntas sem entretanto, ansiar por respostas; quando a mente se aquieta, cessa o diálogo interno e o Ser me dita em diferentes maneiras, podendo assim, compreender e absorver o sumo da sua real sabedoria.

Estes são alguns questionamentos constantes no meu cotidiano:

-Como seria se eu me sentisse verdadeiramente livre para ser feliz?
-E se minha mente ficasse sossegada, meu coração aliviado e eu pudesse me sentir em Paz?
-Se cada vez que algo me agita, me irrita eu lembrasse de respirar, me percebesse neste estado, fazendo contato com o sentir e tudo se acalmasse, sem explosões ou contenções para evitar conflitos?
-Se eu conseguisse observar os medos, inseguranças, desesperos, dúvidas e num passe de mágica, num olhar, num sentir, num lembrar trouxesse a confiança, o amor, a tranquilidade para meu interior?
-Como seria gostar de mim mesma, aceitar amar e ser amada, me reconhecer como uma célula da Terra e agradecer a tudo e a todos que fazem parte da minha vida?
-Será que mereço ser feliz sem sentir culpa, amar sem qualquer condição, imposição ou sofrimento?
-Se a vida na Terra fosse vista por mim, como uma dádiva, um presente, uma oportunidade em vez de um pagamento ou resgate de malefícios do passado ou ainda como um castigo, como seria?
-Se eu me enxergasse como um Ser Fantástico, um Avatar, vivendo uma experiência humana neste planeta?

Com base no que tenho vivido posso afirmar que é possível!!! e vale a pena experimentar!!
Certa vez, tive um sonho lúcido, era como se estivesse vivendo, não sonhando. Eu chegava com um grupo de pessoas numa Colônia de Férias. Desembarcamos dum ônibus e eufóricas as pessoas correram para conhecer o lugar, enquanto eu com muita resistência e raiva olhava sem entender o que estava acontecendo. Fui para meu quarto e falei pra mim mesma: “não sei porque vim parar aqui, não quero saber de nada, desta coisa tola, que ninguém me perturbe.”
E assim, permaneci chateada, certa de que fui trazida, que não tinha optado em estar ali.
O telefone tocava, batiam na porta, me chamavam, me falavam das belezas daquele lugar ao que respondia simplesmente: -me deixem em paz, não quero saber de nada e continuava no meu mundo.
Até que o telefone tocou e fui comunicada: - arruma tuas malas vamos embora.
_ Ufaa! Finalmente!
Arrumei rapidamente as malas, mal havia mexido, e saí aliviada.
Livre da raiva, consegui enxergar o que as pessoas procuraram em vão me fazer ver. Era um lugar fantástico, lindo, maravilhoso. Queria ficar e aproveitar aquela maravilha, mas as pessoas se acercaram de mim, dizendo com pressa:- “vamos, vamos, o ônibus já chegou”. Levaram minha bagagem, me conduziram para dentro do veículo. No seu interior, olhava, estupefata pra tudo que estava deixando e inconformada com o que não tinha vivenciado. O ônibus iniciou sua viagem e eu olhando em volta prometi pra mim mesma: - “Eu vou mas eu volto!” E acordei.

Quero neste momento de partilha, relembrar do sonho e reforçar minha decisão de aproveitar a vida, de me divertir nesta Colônia de Férias e agradecer pela oportunidade deste momento de consciência, de dançar com Terra, me sentindo a própria Terra, deixando-a dançar através de mim, com muita Alegria, e com imenso Amor.
É desta maneira que quero deixar minha mensagem de Ano Novo, como um “Momentum” de tomada de decisão de sair do quarto, sair da caverna e se permitir ser livremente, para viver feliz!
“Vamos dançar, vamos cantar,
nos alegrar e comemorar.
Vamos cantar, vamos agradecer
A dança da Vida o mundo dos Céus
O povo da Terra já livre dos véus.”
Feliz 2016!!!
Lembrem- se: É POSSÌVEL!!!!
Todo meu carinho! Meu agradecimento!
Um grande ABRAÇO .

Pedra Rosa e Família
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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

METAMORFOSE

METAMORFOSE
  1. INTRODUÇÃO
O desafio da transracionalidade está inserido em meu interior, desde antes de meu nascimento. A cada dia fico mais convencida disto, sem prepotência ou vaidade, apenas e naturalmente aceitando aquilo que simplesmente é.
Assim, observo minha vida neste formato em que estou vivendo agora, com apenas uma certeza, a de que tudo passa. Sinto-me saindo da caverna, como na Caverna de Platão, o mito tirado do livro A República, quando me escondia com medo dos reflexos projetados como sombras em meu interior.
Associo, também algumas etapas vivenciadas de pós modernidade, quando questionava tudo e todos em busca da verdade, onde os reflexos de luzes e sombras se confundiam e não conseguia discernir o que estava realmente acontecendo dentro e fora de mim. Imaginava que precisaria ir até o fundo de um grande poço ou de um imenso buraco negro, onde me via e sentia caindo, e com medo me segurava em algo, ou conseguia ficar em algum lugar passível de proteção e ajuda.
Quando assumi adentrar nas minhas emoções mais básicas, num contato comigo mesma, experimentando os infernos criados por minha própria mente, foi possível chegar a este fundo do poço, cuja energia é considerada ponto zero. Nesse ponto é impossível descer ainda mais, então vivenciei a possibilidade de presenciar e reconhecer a grande maravilha que é o Eu Sou superando as dúvidas e reverenciando este grande mistério chamado conceitualmente de vida.
Certa vez, num consultório de uma amiga dentista, entre os procedimentos odontológicos, filosofávamos sobre as questões do cotidiano, quando num momento de liberação do sugador de saliva de minha boca, expressei algo sobre o assunto movida por uma certa euforia, ao ver surgindo a minha frente uma imensa tela branca, como uma imagem mental. Senti uma fala brotando numa compreensão inexplicável e apenas traduzindo em palavras o que estava visualizando, exclamei: -porque a vida… a vida é, simplesmente!!
Era algo fantástico, impossível de descrição, um campo aberto de energia e eu magicamente inserida nele. Não existia separação, eu era o campo, a vida. Num certo momento canalizei uma música que expressa algo semelhante, e é intitulada Caminho de Estrelas:
Você que caminha na Terra
Você que caminha ao Sol
Você que caminha no Vento
E vive o caminho do Amor
Vai além do pensamento
Atravessa as fronteiras da dor

Você é levado no vento,
Que leva às ondas do mar
Viaja pelo infinito
Fica deitado no ar
Se deita numa cama de estrelas
Fica assistindo ao Sol
Olha o Sol e a Terra
Sente a luz da imensidão
Não teme a vida e a morte
Nem sente mais separação
Mergulha na água e no fogo
Habita o ar e o chão
Aha e aho, aha e aho…

Neste caminho vermelho
Eu rezo por felicidade
Que eu seja uma grande criança
Brincando em todas as idades
Que não haja mais diferenças
Nem crenças de separação
Que seja uma só presença
Numa completa união
Dessa maneira, esse ensaio é como um entalhe de uma proposta de vida que foi sendo esculpida em cada detalhe sem que necessariamente eu pudesse ter a dimensão do que de fato ia acontecendo. Nesta escrita está o delineamento do caminho por mim percorrido na condição de observador atento que tem a possibilidade de admirar a obra.

  1. DIALÉTICA DE UMA TRAJETÓRIA

2.1 Ordem política e social: formadores de paradigmas.
Desde criança ouvia meus pais falarem de política, evitando transparecer suas opções, com medo de represálias do partido vencedor, caso não fosse o escolhido. Era uma cidade pequena sob o controle dos cabos eleitorais, ou seja, pessoas da comunidade que representavam os candidatos, com o poder de negociação de concessão de favores, ou dinheiro para troca ou compra de votos. Eu e minha irmã éramos revolucionarias e queríamos ir para a rua expressar nossos candidatos e partidos, porém isso era devidamente recomendado como proibido.
Nasci em 1954 num momento em que se configurava uma crise econômica e política no país, culminando no movimento revolucionário de 1964, portanto minha infância esteve todo tempo sobre esta influência, acompanhando as conversas e notícias sobre as pessoas chamadas de comunistas, cuja população tinha medo até de falar sobre eles, entretanto isto me atraia e amedrontava, eram considerados ídolos por mim, nutrindo por eles muita admiração.
A ordem doméstica era exercida por minha mãe, que controlava desde o cuidado com os filhos até a administração dos parcos recursos para a sustentabilidade familiar. Havia um certo rigor na imposição de uma dinâmica embasada nas influências externas: da grande família, vizinhança, escola, igreja. O medo permeava esta ordem, cuja desobediência resultava em castigo, inclusive físico. Isto gerava em mim e minhas irmãs muita revolta, repressão de nossas vontades, sendo então, extravasado através de atitudes subversivas.
Incrível é escrever estas memórias e me sentir em paz, reconhecendo as marcas, porém sem a impressão emocional. Hoje com um novo olhar, vejo permeada nas relações domésticas a influência de um período regido por um governo militar, ditatorial, onde imperava a supressão da liberdade política, interferindo assim em todas as áreas da nação brasileira.
Participei já na universidade dos movimentos estudantis contra a ditadura, embora de forma contraditória, uma parte de mim me impulsionava e outra parte se contraia com medo e culpa, entre a vontade de agir e a sensação da realização de algo contrário à ordem imposta e ensinada no âmbito familiar. Vejo claramente as questões paradigmáticas que vão assim, sendo repetidas gerações após gerações.
Segundo Durkheim fui condicionada a seguir as normas impostas pela sociedade e coercitivamente fui me conformando a esta ordem, assimilando normas e regras de ação exteriores a mim, sem aceitá-las, porém, me sentindo obrigada a vivê-las.

Cabe citar um sistema de crenças a que inserida, de forma individual, grupal ou coletiva interferiam inconscientemente nesta contradição, embora lutasse veementemente contra tudo e contra todos, a impotência gerava a impossibilidade para encontrar saída além dos sonhos e tímidas atitudes subversivas, na busca de coragem para assumir ações enaltecedoras passíveis de quebrar estes padrões.
Assisti ao movimento contrário à ditadura, acompanhando manifestações estudantis, sem, contudo, me envolver abertamente, nutrindo a imensa admiração àqueles heróis posicionados à frente, que faziam acontecer a história, e eram geradores de novos fatos sociais.

2.2 Contradições de uma prática questionadora.

Como profissional de Serviço Social, procurava me posicionar criticamente assumindo atitudes por vezes impulsivas, cuja finalidade era a de me sentir orgulhosa de mim mesma.
Iniciei aí uma jornada no movimento sindical, ligado ao Serviço Público Estadual, voltado às questões educacionais adotando Gramisci, Paulo Freire, Marx, Engels e outros, nos debates, estudos e fundamentações teóricas norteadoras da prática.
Em alguns momentos destas experiências diretamente ligadas aos comandos de greves, frentes de trabalhos de conscientização política da categoria, me colocava em contradição e apresentava discursos questionadores desta mesma prática, da realidade ora inserida, assumindo um papel de buscar uma consciência transformadora, sem, contudo, repetir com outro discurso toda a ação manipuladora contra a qual lutávamos. Isto causava por vezes, profundos conflitos e debates entusiásticos produzindo um movimento entre adesões e reações contrárias, principalmente das lideranças que se sentiam ameaçadas ou enfraquecidas.
Assumir um posicionamento crítico para mim era fundamental, pois do contrário corria o risco de ser influenciada por um pensamento mágico, ingênuo, o qual de acordo com Paulo Freire eram geradores de cegueira político- ideológica. Tudo isto era movido por uma paixão, uma certeza de que transformaríamos a sociedade, e deixaríamos um legado de justiça, de paz, de condições dignas de vida para as futuras gerações. Idealizava esta sociedade mais justa, com possibilidades de maior distribuição de renda, de partilha de bens e serviços, diminuindo assim as desigualdades sociais, um povo livre e capaz de gerir sua própria vida, com dignidade e alegria.
Com Gramsci, idealizava a possibilidade de quebra das estruturas cristalizadas no âmbito profissional estando inserida nestas próprias estruturas, como profissional nas escolas, nas instituições de Assistência Social, experimentando a rigidez do sistema, buscando nas suas contradições encontrar brechas para a implementação de propostas de políticas públicas possibilitadoras de um trabalho libertador. Quando o discurso se dissociava da prática cotidiana me visualizava servidora e implementadora das mesmas ações político-ideológicas com as quais lutava. A sensação era de girar em círculos fechados, sem sair do mesmo lugar.
Trabalhava com “menores em situação de risco” assim eram consideradas as crianças e adolescentes ditos marginalizados e destinados a serem atendidos pelas políticas públicas municipais e estaduais respaldadas no âmbito federal e, conjuntamente à justiça do Estado.
Era desesperadora sua inoperância, uma ação apontada como imprescindível para o bem-estar social, entretanto apenas servia aos discursos políticos e fins econômicos, servindo como justificativas para consecução de recursos geralmente utilizados para outras finalidades.
O trajeto das verbas disponibilizadas para a execução dos projetos iam se diluindo de gabinetes em gabinetes, chegando às bases minguados recursos, insuficientes para suprir as demandas da realidade social emergente, embora tendo sido os projetos devidamente aprovados com previsão de recursos, posteriormente divulgadas como práticas realizadas nas estatísticas de atendimento, para avaliações de cumprimento de metas, nas realizações de ações que validavam o exercício político e consequentes justificações de verbas destinadas para aquele fim.
Por vezes tinha a impressão que era funcionalmente remunerada simplesmente para cumprir este papel de legitimadora do sistema, avaliando em equipes interdisciplinares, concluindo que nossa inoperância e burocracia repercutia em consideração e avaliação positiva funcional. No entanto, a contradição entre o compromisso com a sociedade e a impotência da prática “faz de conta”, geravam questionamentos diversos, expressados em forma de stress, frustração e inoperantes lutas.
Lembro de minha mãe, quando me dizia que eu era como Dom Quixote de La Mancha lutando contra os moinhos de ventos. Nestes diálogos com Gramsci, Paulo Freire, Marx e Engels vejo a sociedade com sua dinâmica própria, cada cultura articulando-se no bojo de suas próprias contradições econômicas, sociais, político-ideológicas, na busca de sobrevivência através da satisfação das necessidades básicas circunstanciais, onde na sua maioria prevalecem os interesses individuais em detrimento dos coletivos.
Percebo também, intelectuais que idealizaram a liberdade deste povo, embora considerados historicamente heróis, por vezes, também foram criticados como loucos, tendo sido estigmatizados entre a própria população pela qual pensaram, sofreram e lutaram para libertar.
Cabe, porém, ressaltar a importância destes movimentos, na construção de novas formas de viver, de conquistas populares e a fomentação de uma consciência que dialoga entre o possível e o impossível, questionando e quebrando as muralhas separatistas, onde a própria história que registra suas construções também é infalível nas suas derrubadas.
Acredito que só existe opressor quando um indivíduo ou um grupo se sente oprimido, os ditadores ganham força movidos pela inconsciência popular, um sistema de crenças repassado de geração em geração, fortalecido por mecanismos conscientes e inconscientes. São legitimados por um sistema mantenedor de uma cultura embasada numa ideologia justificada como protecionista, como defensora das minorias consideradas incapazes de se auto defenderem, de se auto gerirem, de sozinhos sobreviverem.
Em nome desta necessária organização e defesa criam-se organismos e mecanismos que transformam estas necessidades em formas de contratos e regulamentos os quais passam a ser coercitivamente seguidos por todos, para a manutenção da ordem social, da continuidade da vida e do sistema que os protegem.
Assim estão embasados os regulamentos, as leis, as constituições, os contratos, ou seja, as diferentes maneiras de consolidação dos sistemas, para que hegemonicamente possam governar, regular, controlar, exercendo assim suas funções sociais no controle das organizações, da coerção social, justificadas pela necessidade de manutenção da ordem, da segurança, da harmonia, justiça, progresso, da verdade, da paz, das diferentes pazes.
Ainda no serviço público Estadual participei de uma equipe interdisciplinar atendendo “adolescentes infratores”, ou seja, adolescentes que haviam cometido um ato infracional, colocados em regime de Liberdade Assistida, um projeto integrado entre a entidade estadual de assistência e cumprimento das medidas disciplinares e o próprio poder judiciário que determinou a medida.
Paralelo ao acompanhamento a estes adolescentes realizava conjuntamente a equipe, abordagens de rua, lidando com crianças e adolescentes, através de conversas informais, reuniões, encontros, primeiramente na própria rua, em praças ou lugares de convívios diários, e após no próprio Juizado.
Meu convívio com estas crianças foi muito interessante e instrutivo, principalmente quando se confrontavam com representantes da Justiça, cuja relação era muito conflitiva, pois eles quebravam a ordem ali constituída, impondo assim uma revisão de abordagem, que era devidamente respaldada por uma proposta considerada institucionalmente importante.
Passei por um balanço de vida, ao rever e me rever diante das realidades vivenciadas, principalmente quanto a instabilidade e stress gerados pelas instituições relacionadas ao projeto, optando finalmente pela minha saída da instituição.

2.3. Uma nova proposta, novos desafios
Iniciei então, uma nova proposta junto à natureza, com criação de minhocas para produção de húmus, jardinagem e participação em uma feira municipal, com criação, produção e venda de vasos com plantas para interiores e outros ambientes, chegando a compra de uma floricultura. Assim, me sentia muito mais livre e confortável, apesar de ser um trabalho árduo.
Estava tão envolvida que nem participei do grande movimento político de Impeachment de um presidente do Brasil, me sentia muito distante dos meios políticos e institucionais. O grande desafio do momento era sobreviver numa outra proposta, a de ser a protagonista da minha própria história, aliás esse era um sonho alimentado desde criança. Lenin me dirigia através de uma citação: “É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nossos sonhos, de confrontar nossos sonhos com a realidade, de comparar nossa percepção com a vida real e realizar escrupulosamente nossas fantasias”, isto me dava impulso para fazer acontecer meus projetos.
Surgia então uma nova área de conflito, lidar com funcionários, experimentando assim o outro lado da luta de classes, tão polemizada nas práticas sindicalistas, onde me deparei com uma vontade e uma busca de estabelecer um, diálogo construído de forma horizontal, visando uma convivência sadia com valorização e justiça. Entretanto isto ocasionava uma confusão em ambas as partes, porém eu era a parte explorada da relação, cujo paradigma gerava uma grande impotência e me colocava de volta na dualidade, exigindo uma relação vertical entre patrão e empregados em contradição entre a teoria defendida e a prática neste momento exigida.
A política daquele momento era economicista, meu grande desafio era sobreviver e minha prática consistia em administrar receitas, gastos, compras, vendas, funcionários, contador, impostos, clientes, fornecedores, enfim, uma roda viva que não cessava nem quando dormia.
Apesar de ter desenvolvido o gosto artístico na criação de arranjos florais, na lida diária com a beleza da natureza expressada através das flores, das plantas, das relações com as pessoas as quais demonstravam sentirem-se acolhidas pelos serviços oferecidos, com elogios e apreciações, faltava-me entusiasmo, a sensação era que tudo estava ruindo. Entretanto não sentia, nem visualizava qualquer possibilidade de reação, era tudo muito vazio, um estado de pura mecanicidade e reatividade.
 Os conflitos e decepções geravam em mim uma dissociação de campo de energia, provocando um vazio, uma ausência de mim mesma, era como se minha alma caminhasse num imenso deserto, sem, contudo, visualizar saídas. Aos poucos fui me tornando amarga, revoltada, triste, adoecendo, com pânico, depressão e diferentes processos de somatização, era urgente encontrar uma solução, alguma forma de ajuda.
Hoje percebo a longa jornada que percorri ao longo da minha existência, para chegar num lugar onde pudesse finalmente me sentir integrada, absorvida pela própria existência e assim poder viver a real vocação de ser feliz.
Como um mistério inexplicável que acontece na arte dos relacionamentos da vida cotidiana, fui encontrando assim, novos contatos que me apresentaram caminhos, onde pude experimentar outros conhecimentos ligados com a espiritualidade, o esotérico, a Naturologia, a Física Quântica, movida pela necessidade de cura e compreensão do que estava acontecendo.

2.4 A transracionalidade num encontro com a Paz

Estava num imenso caos, tentando me segurar para não cair no fundo do poço, o que se tornou impossível. Outras compreensões e buscas foram surgindo e paulatinamente fui encontrando algumas saídas, como me especializar em Naturologia Aplicada, ajudas psicoterapêuticas, terapêuticas espirituais, holísticas e outras.
Era comum escutar dos meus cuidadores que existia um potencial em mim, o qual necessitava de contato, entretanto minha resistência impedia seu acesso. Uma certeza se acendia no meu interior, precisava me vencer para encontrar alegria, felicidade.
Participava de um grupo de meditação seguindo ensinamentos dos Mestres da Fraternidade Branca, no período noturno, semanalmente, sendo um momento de grande ajuda. Num momento destes, vivenciei algo inexplicável. Era como se me deslocasse da sala de meditação para um outo lugar, era uma conhecida praça, numa parte alta da cidade. Avistei uma estrela cadente e se deslocou um homem com aparência e trajes normais, ocidentais, vindo em minha direção e passamos a caminhar lado a lado, conversando comigo, me passando instruções.
Apontou uma estrela no céu, da qual viera me pedindo que aceitasse um trabalho necessário de ser realizado. Todo o contato se daria através do pensamento de forma natural, sendo que a qualquer momento estaríamos juntos, entretanto seria imprescindível vencer minha própria resistência. Incrédula, mas estupefata não conseguia expressar qualquer reação contrária, era uma realidade inteiramente desconhecida, mas que me preenchia, me sentia segura e assim, porque não experimentar?
Parecia vislumbrar uma perspectiva, uma esperança, e nas horas que sentia necessitar de ajuda, bastava lembrar para alterar meu estado, experimentando algo novo, diferente do que já estava cansada de viver. A noite era possível identificar a estrela e sem conseguir explicar, sentia nossa ligação. Embora, questionasse tudo que estava vivendo, querendo uma resposta passível de explicação, me encontrava em uma situação que não cabia em explicações racionais, e dessa forma, me entregava ao mistério, simplesmente.
Outras instruções foram passadas, durante uma meditação, também de formas incompreensíveis, porém bem diretivas, senti uma forte pressão sobre minha cabeça, obrigando-me a incliná-la para frente, ordenando-me que repetisse: eu sou submissa eu aceito o poder, eu sou submissa eu aceito o poder...Entre as repetições, vinham dúvidas me sentindo ridícula, porém não conseguia parar nem levantar a cabeça até que parasse de lutar absorvendo o real conteúdo ali indicado. Noutro momento a informação era: - eu não sou responsável por ninguém, sou responsável apenas por mim mesma. Houve, porém, um grande momento o qual representou um marco na minha existência.
Minhas amigas resolveram ajudar-me a compor uma sala de terapias, certas que esta era a única saída para minha vida, mas eu não sabia o que iria fazer, pois além do curso de especialização em Naturologia, em formação, havia sido iniciada em Reiki, era por onde sentia segurança para começar. Então, aproveitei uma dependência de empregada nos fundos de um apartamento antigo, no centro da cidade de Florianópolis, arrumando-o, iniciando por uma pintura.
Resolvi pintá-lo de azul com algumas nuvenzinhas, para um ambiente leve e harmonioso, preparando uma tinta branca com pingentes nas cores primárias, após o azul nas paredes e teto. Com pincel comecei a pintar as nuvens, mas percebi que estava ficando muito ruim, desolada sentei no chão do quarto sem saber como poderia prosseguir, sendo que teria que consertar o estrago da parede já pintada.
Derramei um pouco de tinta num prato remexendo-o a ermo, procurando ficar em silêncio e encontrar uma ideia, um insight. De repente resolvi brincar, pingando uma gota do pigmento no prato de tinta branca e adorei a reação, pingando outras cores que se misturaram, quando pensei: -vou ter que repintar a parede, por que então não aproveitar para me divertir um pouco? Coloquei minha mão sobre a tinta e passei na parede, e esta se moveu freneticamente, sem controle ao mesmo tempo que repetia sem pensar, sem parar: - aprende na parede a ser terapeuta, tu não fazes nada apenas empresta a tua mão. Foram duas horas de trabalho em duas partes do quarto. Resolvi, então desenhar um ramo com duas folhas e uma rosa vermelha, pensando que algum desenho seria criação minha. Admirei o lindo trabalho totalmente abstrato, encerrando feliz.
À noite recebi a visita de alguns amigos e amigas e orgulhosa lhes mostrei minha arte, e para cada um ou uma que viam comentaram figuras no meio da abstração, e me perguntavam porque tinha pintado um velho, um ET e outras formas ao olharem o desenho do ramo de roseira. Intrigada com os comentários passei a olhar as paredes sem me concentrar e quando minha mente relaxava meus olhos viam as composições ali impressas.
Lembrei quando me falavam que precisava realizar um trabalho de cura e me indignava que não via, não ouvia, não possuía nenhuma forma de poder transpessoal ou paranormal, como então poderia ajudar alguém. Ali estava expresso nas paredes aquilo que eu não enxergava, um mundo maravilhoso ligado aos diversos reinos com diferentes formas de seres os mais diversificados. Sempre que tinha um tempo, lá era meu paraíso cada vez que olhava novas imagens se apresentavam. Estava feliz, extasiada.
Outra sincronia foi quando uma cliente da floricultura, sofrendo com trombose, conversando comigo sem saber do que estava acontecendo, de repente me perguntou se eu não poderia ajudá-la, com algum tipo de trabalho energético, de cura, ao que lhe respondi, que estava com uma sala para iniciar um atendimento, mas não sabia como fazer além de Reiki. Ela concordou e combinamos um encontro no dia seguinte.

Tentei em vão acessar alguma forma de realizar o trabalho, até procurei argila para uma aplicação, mas estava em falta nos locais habituais. Iniciei meu trabalho, com alguns materiais estudados na Naturologia, após acomodei-a num colchão no chão e iniciei uma meditação dirigida, percebi que relaxara profundamente, sentindo confiança em me expressar livremente, lembrando da orientação recebida, aprende na parede a ser terapeuta, tu não fazes nada só emprestas tua mão. Assim, coloquei minha mão sobre o local e comecei a falar sem pensar, apenas falar.
Quando terminei ela estava muito impressionada, dizendo que não estava dormindo e que eu tinha lhe falado muita coisa que ela necessitava saber. Era semana de Páscoa e sua família que morava em outras cidades estavam chegando para visitá-la, e resolveu trazê-los para serem atendidos. A partir desta data não parei mais de trabalhar com atendimentos, tendo vivenciado incontáveis histórias e experienciado grandes aprendizados.

3. CONCLUSÃO
A arte de simplesmente existir num estado puro de paz está ao revés da cultura particularmente desenvolvida na Terra, onde a busca da sobrevivência consiste em realizar um esforço, por vezes árduo para conseguir aquilo que supostamente compreendemos como necessidades humanas.
Fico a pensar e repensar sobre as reais necessidades humanas e de que maneira poderíamos satisfazê-las regidas por uma força natural e existencial, integrada com as Forças Universais, das quais em algum momento nos consideramos ou nos sentimos separados.
Entre as diversas histórias contadas por minha mãe, na minha infância, estava uma que se intitulava “Filho das Estrelas” e consistia de uma criança que foi roubada de seus pais, quando pequena e sobreviveu com muito sacrifício e quando conseguiu fugir dos seus raptores, se embrenhou numa longa e tumultuosa viagem, numa ânsia de voltar para casa.  
Lembrava que era um grandioso reino, muito abundante, maravilhosamente instalado no alto de uma montanha entre a vegetação naturalmente preservada e sabia que sua família estaria a sua espera. Apesar das infrutíferas buscas, tinham certeza que um dia se libertaria e confiavam no seu retorno. Entre todos os esforços na viagem de volta, sentiu-se protegido, abençoado e dirigido por uma força reconhecida como uma herança da sua família de origem.
Quando chegou diante do grande e deslumbrante portal que o levaria a sua casa, ainda lhe veio uma última prova, surgiu na sua frente um mendigo, pedindo-lhe uma moeda para matar sua fome, pois sua velhice e doença não lhe permitiam realizar qualquer trabalho.
Remexeu no seu bolso encontrando uma última moeda e relutante olhou para o homem a sua frente e compadecido a entregou de coração aberto. Imediatamente as cornetas tocaram e ele foi recebido com muita festa, muita alegria, sendo assim reconhecido como o legítimo herdeiro do trono de seu pai.
Como é comum nestas histórias e lendas culturalmente contadas às crianças, parece que é construído um caminho onde o sacrifício e provações são exigências como merecimento para alcançarem a liberdade, a abundância de vida. Aquelas que visualizam esta possibilidade conseguem chegar neste lugar de merecimento.
Às vezes sinto vontade de escrever novas histórias infantis, quem sabe encontrando na minha criança livre, a inspiração para abrir e assim mostrar novas possibilidades.Tem sido assim nos meus últimos anos, acessar histórias, as quais considero crenças, para decodificar essas impressões deixadas pela memória, nutridas pela carga emocional daquele momento.
A medida que essas impressões de memórias são expressadas, forma-se um campo movido por uma consciência interacional, onde é possível acessar uma ação cósmica de cura, nos diferentes aspectos, do que cada pessoa está naquele momento necessitando.
Percebo que no momento em que a pessoa consciente ou inconscientemente acessa esse Campo de Infinitas Possibilidades, ilumina o espaço que necessita de luz e consciência. Isto a torna capaz de transformar a história a qual é, na verdade uma crença, porém vivenciada como se ainda fosse verdade. Quando esta é acessada e compreendida, a situação em conflito fica em paz, podendo ser sentida através da manifestação de um estado interno de ampliação do campo de energia, repercutindo como numa onda quântica para outras pessoas e outros espaços/tempos da Terra.
Nessa possibilidade expressada pelo campo, não existe separação, o pensamento é o meio de transporte. Entretanto, acredito que o pensamento é como o raio e a trovoada, quando ouvimos o barulho da trovoada, o raio já caiu. Quando constato esta amplitude de ação vejo que minha mente, meu corpo, meu coração se aquietam e percebo minha ação e interação em qualquer área de conflito onde coloco minha atenção.
Sinto que existe uma linha de energia que se delineia em cada um de nós, vertical e horizontalmente. A linha vertical está ligada à prontidão e a linha horizontal ao merecimento. Quando ambas se encontram acende a luz e algo acontece.
Quando tudo está acontecendo apenas no campo da racionalidade, é gerada uma energia horizontal em camadas, é como se estivéssemos deitados, dormindo ou num estado de morte. Parece que as coisas estão sem movimento, sem vida. A verticalização da energia, que me foi mostrada através de uma visualização intuitiva, a qual tenho vivido, acontece em ondas espirais, em sentido anti-horários e horário, alterando este campo estacionário, como num furacão de vento onde tudo se movimenta. Isto para mim foi como um grandioso presente que já estava e sempre está presente no Universo, mas sem consciência não o utilizamos e nem sentimos seus benefícios.
A Transracionalidade na minha compreensão é tudo isto. Ela pode ser mensurada, através das diferentes formas de ação que se abrem, nas quais tudo se inclui, inclusive a racionalidade.
Numa vivência de expansão de consciência, me visualizei como uma flecha atirada ao vento, por um arqueiro, mirando num alvo. Esta flecha tinha um destino, mas eu estava agora na sua ponta  e portanto, cabia a mim decidir sua direção.
Nesse momento, percebi a importância de assumir o comando da minha vida, com minha observação constante dos estados internos expressados em meu corpo, quanto ao que eu sinto, o que eu quero, o que eu posso fazer, e assim me posicionar no EU SOU.
Resolvi integrar todos os aspectos da minha existência, mirando tudo que em mim entrava em contraste, para nessa inclusão, fazer as pazes comigo. Os questionamentos já se tornaram naturalmente aceitos, mas quando surgem, meu corpo imediatamente altera seu estado, então eu me observo e tudo se integra e daí brotam ensinamentos.
Dentro do que vivi em minha própria história pessoal percebo que a transracionalidade se relaciona com essa capacidade de me observar em cada momento, como venho fazendo, e ir pouco a pouco realizando essas transições necessárias para um bom viver nessa Terra.
E isso inclui tudo que está implícito, os aspectos materiais, financeiros, emocionais, afetivos, racionais, inconscientes, nas diversas idades que vou vivenciando e criando esse arquivo pessoal que livre e resolvido pode ser acessado tal como um banco de dados, sempre que necessito. Tudo isso compõe uma linda dança movimentada por um grande espiral, algo que não tem começo e nem fim. Relendo minha história percebo esse movimento próprio do Universo que harmonicamente encaixa cada pessoa em determinado momento histórico para que viva sua própria metamorfose.











4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DURKHEIM, Émile, As Regras do Método Sociológico, 3ª edição. Editora Martin Fontes, 2007.
PLATÃO, A República, 1.ª edição. Editorial Presença, 1995.
RODRIGO, Cláudio Eduardo. Durkheim por paradigmas e modelos. Revista Educação e Filosofia, v.16, nº32. Julho/Dezembro de 2002 [citado em 06 de Setembro de 2015 – 16:05].
MESQUIDA, Peri. Paulo Freire e Antonio Gramsci: A filosofia da práxis na ação pedagógica e na educação de educadores. Revista HISTERITE On Line, v.11, nº42.Setembro de 2011 [citado em 07 de Setembro de 2015 – 14:15].





domingo, 26 de julho de 2015

Aha, Metaquiase!

                                             


                                       Aha, Metaquiase!
                                            Por todas as nossas relações.
Paz deriva do latim pax e é um monossílabo na língua portuguesa. No entanto, o campo de possibilidades de interpretação que essa pequena palavra abre é difícil de quantificar.  Poucas vezes um vocábulo dá conta de expressar em tão poucas letras tantas significações. A impressão é que em torno dela há uma abertura em todas as direções sobre tudo que já foi dito, pensado, imaginado, cantado, sonhado, lutado acerca do que é o estado de paz.  Porque parece-me que antes de qualquer explicação ou explanação sobre esse tema se trata sobretudo, essencialmente de uma vontade de degustar, de experimentar em seu próprio corpo, em sua vida, esse benfazejo estado.
E quando me refiro a estado, minha mente é transportada para as aulas de ciências quando tínhamos os estados físicos que se dividiam em sólido, líquido e gasoso. Cada um dos três tinha características próprias que o constituíam como tal. Porém, esses estados se alteravam conforme duas variáveis: temperatura e pressão. Dependendo das alterações em qualquer uma das duas observávamos a magia da transformação dos estados físicos. Assim, metaforicamente nosso corpo passa por transformações ao longo de um dia, de um ano, de um segundo. Transformações essas que em muito se assemelham às sofridas pelos sólidos, líquidos e gases, mas que dizem respeito a uma malha complexa que compreende todas as camadas que se inter-relacionam e que de alguma maneira partem de nosso corpo físico até corpos mais etéreos como mental ou emocional.
Nesta pesquisa sobre o vocábulo Paz na língua materna e sua significação, voltei no meu tempo de criança e lembrei de quando minha mãe falava constantemente a seus filhos:- “me deixem em paz”! Colocava as mãos na cabeça como emitindo uma mensagem: não quero ouvir, nem saber de mais nada. É claro que seus onze filhos tiravam-lhe qualquer sossego.
Cresci frequentando a Igreja Católica e sentia uma intensa contradição entre o que era expressado sobre paz como sendo uma ausência de luta pelo que se queria ao mesmo tempo que se vivia em um mundo de intrigas, brigas, conflitos. Desta maneira não conseguia vislumbrar de que maneira poderia viver esta paz, pois tinha a impressão de estar constantemente sobre controle sobre todos os sentidos. Minha criança sofria das mais diferentes formas e a culpa era minha fiel companheira até nas brincadeiras mais simples, sentia medo de estar fazendo algo errado. O que levava este eu criança a estar em constante ameaça da família, da vizinhança, da Igreja, da escola? Hoje tenho a clareza de que tudo isto estava no meu interior.
Apesar disso, sempre procurei ir além e fazer, mesmo escondido aquilo que eu queria, mas não conseguia ficar em paz. Então, qual era afinal o significado de paz? Era cumprir os mandamentos da Bíblia deixados por Jesus? Era ser boazinha e fazer tudo aquilo que meus pais e professores queriam sem contestação, sem desobediência? Paz era portanto, engolir as negações e conflitos e aceitar simplesmente o que estava sendo vivido, independente dos sentimentos, parecia estar sempre em constante pressão.
Para a criança, estar em paz era morrer e ir para o céu, um lugar muito bonito, numa atmosfera diferente da Terra, com anjos, santos, flores, tudo perfeito. Entretanto, surgia a dúvida: - será que estava fazendo tudo certo, conforme a vontade de Deus, do contrário iria para o inferno. “Deus me livre”! esta expressão era comumente ouvida, imaginem um lugar horrível, com demônios terríveis com tridentes e muito fogo, gargalhadas, palavrões. Meu pai contava histórias vividas durante o período da guerra, nos mandando rezar para que tivéssemos Paz na Terra.
Existiu, porém a lembrança de um momento marcante na minha infância, incompreensível e inexplicável, mas algo real e verdadeiro. Era véspera da minha primeira Eucaristia, e estava fazendo a primeira confissão. Não sabia o que falar para o padre, sobre meus pecados, afinal tinha simplesmente, sete anos, aliás completaria no dia seguinte. Recebi a penitência de rezar alguns Pai Nosso e Ave Marias e ficar em frente ao altar pedindo perdão à Deus. Após rezar, me aproximei do altar e fiquei contemplando num estado de reverência comum para meu eu criança, sentindo uma profunda elevação, quando, de repente, tudo desapareceu se transformando num silêncio luminoso, como se não tivesse mais noção de onde estava. Não sei quanto tempo se passou, ao retornar olhei ao redor sem nada entender, nem conseguir compartilhar com ninguém. Hoje consigo traduzir as lembranças, com a certeza de um lindo momento de Paz.
Pesquisando a história da Ilha de Santa Catarina, Nossa Senhora do Desterro, atualmente Florianópolis, descritos pelo Historiador Franklin Cascaes, constato a similaridade das vivências através dos contos e retratos com as memórias da minha infância e adolescência passadas num pequeno vilarejo na região de Laguna, Santa Catarina, de colonização também portuguesa, como Florianópolis.
, Em relatos antropológicos verifiquei descrições relativas a organização social, as relações de parentescos e compadrio, as quais apontam uma relação solidária de ajuda mútua, comum nas culturas indígenas brasileiras.
Era comum existirem famílias numerosas cujas residências construídas ao longo do terreno dos pais e avós, formavam um aglomerado, suscetível à trocas e partilhas. Lembrei de minha família materna, que se constituía de igual forma e frequentemente se reuniam para colher café, laranja, jabuticaba e outras, após a colheita dividiam tudo, em partes iguais. Estas reuniões eram marcadas por muita conversa, brincadeiras, risadas. Creio ser este um momento de paz familiar.
Ressalto também, a importância das atividades femininas na organização e manutenção da ordem familiar, cabendo aos homens a sustentabilidade do grupo, a qual se baseava na pescaria e agricultura de subsistência, das culturas de milho, feijão, bananas e mandioca para produção de farinha. Estes eram também, outra oportunidade de congraçamento, “a farinhada” que ocorriam nos” engenhos de farinha”, onde as mulheres raspavam a casca da mandioca, faziam os bijus, recolhiam o polvilho, para a fabricação de roscas, broas, bolachas e demais...Cabia aos homens, o trabalho pesado nas engrenagens artesanais, utilizando a força bovina para a fabricação da farinha.
Nos relatos de Cascaes, observo sua descrição de um povo simples, reunidos pela crença religiosa, essencialmente católicos, vivendo de forma pacífica e harmoniosa. Entretanto, como vivente desta mesma história, questiono esta passividade, talvez atribuída a uma aceitação deste “dever ser” passado de geração à geração, condicionando aos moradores à continuidade paradigmática, cujas pressões internas geradoras de estados se manifestavam através de intrigas, fofocas, situações conflituosas, conhecidas popularmente como brigas. Tudo isto causava tumultos, confusões, ressentimentos que logo eram apaziguados por familiares, geralmente as anciãs ou autoridades religiosas, e as partes faziam as pazes e ficava tudo bem.
Embora, ressalte a importância do trabalho da mulher, este era pouco valorizado, por vezes quase invisível, pois não gerava renda, sendo assim pouco considerado. Esta, porém exercia um controle de tudo, inclusive das próprias atividades do marido e filhos, que a respeitava como sua legitima companheira, por vezes referindo – se a ela em tom de brincadeira como “a patroa”. Além disto, levava a fama de feiticeira, a qual causava um certo respeito e também medo.
O misticismo e obscurantismo era muito comum e corriqueiro, favorecidos pelo distanciamento das casas, a falta de iluminação e a convivência ainda com a natureza virgem, com a presença de uma vegetação densa e abundante, inúmeras espécies de animais e pássaros. As lendas eram passadas de pais para filhos, muitas ouvi de meu pai, seu relato sobre o Boitatá, como um fogo que corria,” e quando este corria atrás de alguém era assustador, pois quanto mais a pessoa corria mais ele ficava forte”.
Os fantasmas eram também vistos com certa frequência, pincipalmente em algumas áreas consideradas assombradas, respeitadas por todos. Havia, no entanto,  histórias fantásticas de aventureiros que fizeram enfrentamentos e passaram por experiências inusitadas e aterrorizantes.
Dignas de destaque estão as bruxas e as benzedeiras, ambas estigmatizadas pelas comunidades, porém extremamente respeitadas. Esta cosmologia mitológica gerava um empoderamento atribuído a ambas, contraditoriamente às orientações religiosas, levando os moradores dos povoados, à procura – las às escondidas nos momentos de apuros da vida cotidiana, ao mesmo tempo em que as negavam, maldiziam e as marginalizavam. Quando ficávamos doentes minha mãe recorria as benzedeiras, e levava–me junto para anotar as orientações de tratamento, neste tempo tinha por volta de seis anos mas já conseguia ler e escrever, entretanto me lembro da grande preocupação de minha criança em se manter atenta, para filtrar entre os rezos de uma linguagem incomum, as indicações de procedimentos e ervas medicinais.
Além da área relativa à saúde, eram também procuradas como oráculo, para ajuda nos negócios e relacionamento amorosos, principalmente quando necessitavam de uma tomada de decisão, entretanto inúmeras vezes presenciei cenas consideradas por mim de grande hipocrisia, elas além de ocuparem o último banco na igreja durante os eventos religiosos, eram ignoradas ou cumprimentadas de maneira disfarçada, pelas próprias pessoas que as procuravam.
Quanto às mulheres consideradas bruxas, eram rechaçadas pelos moradores. Atribuía-se a elas todas as desgraças, doenças das crianças, prejuízos e azares. Em estudos baseados em literaturas romanescas da época, são descritas como mulheres que não se submetiam a ordem social vigente, a religiosidade imposta pelo catolicismo. Desenvolviam culto à natureza e ao considerado sobrenatural. Geralmente se isolavam em grupos ou clãs e praticavam rituais descritos como fonte de busca de poder de uma espiritualidade sem limites. Por ameaçarem a continuidade da ordem e controle social, eram caçadas como aliadas do diabo, por movimentos de pessoas que se intitulavam de defensores da sociedade, quase sempre liderados por maridos abandonados e mulheres beatas que viam no seu fanatismo uma necessidade de defesa da família, enquanto instituição social e a manutenção dos bons costumes.
Hoje, diante deste olhar para o passado, ainda vejo escondido pela modernidade estas contradições e cosmologias. Através do meu trabalho, vivo este contato com a bruxa e a benzedeira, presentes em mim, percebendo em muitos momentos como esta negação inconsciente de um poder transracional, transformador, curador é aceito com restrições e preconceitos. O próprio termo curandeirismo é proibido, seu uso pela legislação oficial está sujeito às condenações e sanções legais.
Tenho convivido com populações indígenas onde não se percebe tais questões, sendo tudo isto tratado e vivenciado, na sua originalidade de uma forma simples e natural, embora surjam o enfrentamento de outras formas de conflitos que são tratados de forma aberta, sem máscaras e ou ressentimentos. Isto se torna evidente na própria linguística, cujo idioma não contempla muitos dos termos usados em português. Perguntei a um Cacique de uma aldeia Guarani, sobre a escrita e o significado da palavra paz ao que me respondeu: “Na língua Guarani não existe propriamente uma palavra que signifique paz em português, como não tem definição especifica no vocabulário Guarani, dependerá do que se fala, usamos o vocábulo “porã” que significa bom, bem, bonito que para mim é o que mais se aproxima.  Se quisermos falar “vamos ficar bem ou em paz” diz-se “nhande kuai porã”. “Epyta porã”, fique bem ou em paz. “Ore kuai porã”, estamos bem ou estamos em paz. “Nhande nhee kuery ma petein porã rami ikuai”, nosso espírito está sempre como um só, em constante paz.”
Talvez a palavra Paz seja uma expressão para lembrar da necessidade de retornar a origem, impressa e expressada na Natureza, da qual imaginei um dia ter conseguido me separar,   desta forma me sentir diferente e assim dissociada de seu natural poder. Também percebi que a necessidade de transformar conflitos, seja simplesmente poder acessar, em todos os sentidos, esta compreensão indígena de viver bem, com beleza, alegria... lembrar da vida em estados plenos, estados de Deus, Namastê, Nhanderú, Haux, Aguyjevete, Siyabonga, Saravá, wakantanka, Ometeotl, Grande Mãe, Madre Tierra, Grande Espírito, Grande Mistério.

Viver simplesmente como o” Um no Todo e o Todo no Um”, por todas as nossas relações.
Aho e Aha Mitakuye Oyasin!!!